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O QUE NINGUÉM TE CONTA SOBRE ENDIVIDAMENTO RURAL

Muitos produtores rurais ao contratar com o banco desconhecem seus direitos garantidos pela legislação do crédito rural, o que faz com que eles se coloquem em uma posição desequilibrada com a instituição financeira, tornando-se alvo de inúmeras irregularidades que permeiam as cédulas de crédito rural e suas renegociações. Na contramão das atitudes dos bancos, um dos objetivos do acervo legislativo que cuida da disponibilização e contratação do crédito rural é o fortalecimento econômico dos produtores. No entanto, o que se nota da história do agronegócio em nosso país é que todo esforço da agricultura sempre termina nas mãos dos banqueiros. Basta olhar o cenário do judiciário e verificar a infinita quantidade de execuções rurais contra produtores, que por um motivo de força-maior não conseguem efetuar o pagamento da dívida na data acordada e acabam perdendo seus recursos, patrimônio e propriedades, ficando impedidos de continuar a desenvolver a atividade rural, interrompendo em muitos dos casos a continuidade de uma história familiar, quando bastaria acionar o direito à prorrogação do prazo para pagamento das dívidas rurais, previsto em lei.

 

A ATIVIDADE RURAL COMO ATIVIDADE DE RISCO

Como se sabe, a atividade rural é caracterizada como atividade de risco, rótulo esse que vem sendo repetidamente utilizado pelo STJ – Superior Tribunal de Justiça no julgamento das demandas que versam sobre contratos entre produtores e investidores do ramo. Existem riscos climáticos, riscos de oscilação de preço, riscos de pragas e doenças, dentre outros. Há quem diga que é “colocar dinheiro embaixo da terra e torcer para que brote”. E por mais difícil que seja, forçoso é reconhecer que esses riscos, em muitos casos, se materializam na forma de uma perda parcial ou até mesmo total de uma produção, seja ela referente a agricultura ou a pecuária.

Diante disso, considerando que os riscos na maioria dos casos saem da esfera abstrata e se tornam uma triste realidade, é natural que o endividamento assombre a vida de muitos produtores e de suas famílias, afinal, pode-se levar anos para se recuperar da quebra de uma produção ou, na pior das hipóteses, a recuperação não é uma possibilidade.

No entanto, existem leis que amparam o produtor rural nas hipóteses acima descritas, desde que se trate de dívidas referente a crédito rural, o que não torna menos importante a análise dos títulos de crédito objetos de execução de outras negociações, a fim de se verificar se estão de acordo com a cobrança legal de juros ou se não possuem outras irregularidades.

 

O DIREITO DE PRORROGAR O PRAZO PARA PAGAMENTO DA DÍVIDA DE CRÉDITO RURAL E SUAS IMPLICAÇÕES

Como dito acima, existe uma legislação que garante ao produtor rural a continuidade da atividade de forma lucrativa, de modo que, em caso de eventualidades climáticas, perca da safra, de animais ou dificuldade na comercialização dos produtos, o produtor tem o direito a prorrogação do prazo para pagamento, consoante disposição do Manual de Crédito Rural – MCR.

Nesse mesmo sentido é o entendimento da Súmula 298 do STJ (Superior Tribunal de Justiça) que afirma: “O alongamento de dívida originada de crédito rural não constitui faculdade da instituição financeira, mas, direito do devedor nos termos da lei”. Todavia, o problema é que muitos produtores não conhecem esse direito ou até conhecem, mas possuem dificuldade de utilizá-lo e ao máximo fazem um pedido verbal ao gerente do banco que na maioria dos casos nega ou apresenta como solução duas opções:

  1. a contratação de um crédito comum para quitação do crédito rural, o que é conhecido como “operação mata-mata”, mas que descaracteriza o crédito rural e os encargos legais a ele inerente, tornado a dívida impagável.
  2. a renegociação de todas as dívidas daquele produtor, sejam elas rurais ou não, o que é conhecido como “operação guarda-chuva” acoplando-se em um termo de confissão de dívida, cartões de crédito, cheque-especial, CDC, financiamentos de veículos ou imóveis e, ainda, o crédito rural, com taxas de juros também muito superiores ao permitido pela lei.

Essas modalidades de renegociação são inviáveis porque não se trata de prorrogação e sim de descaracterização do crédito rural, já que o banco passa a aplicar a taxa de juros legais para crédito comum. Enquanto a legislação rural prevê taxas de aproximadamente 7% ao ano, as operações que foram descaracterizadas se referem a crédito comum e preveem taxas de 5% a 12% ao mês. Entretanto,vale relembrar que em conformidade com o MCR – Manual de crédito rural 2-6-9 “é devida a prorrogação da dívida, aos mesmos encargos financeiros antes pactuados no instrumento de crédito”, não sendo permitida a majoração dos juros, sejam eles remuneratórios ou moratórios.

Pode acontecer ainda uma quarta situação, o homem do campo apresenta o pedido de prorrogação ao gerente da instituição financeira e não recebe resposta, mas posteriormente é surpreendido com um ou vários processos de execução, começando aí um pesadelo a ser enfrentado, caracterizado por angústia e noites em claro.

Como se isso não bastasse, o que se observa é que além do pedido de prorrogação sequer ter sido analisado ou negado de pronto, os processos de execução apresentam juros moratórios muito superiores ao constituído pelo artigo 5º, parágrafo único do Decreto 167/67, o qual estabelece que tais encargos não podem ser superior a 1% a.a.

 

O PROCEDIMENTO DO PEDIDO DE PRORROGAÇÃO

Não existe uma regulamentação acerca do procedimento, mas deveria tratar-se de algo simples, em que o próprio produtor pudesse procurar a instituição financeira e apresentar o pedido. Contudo, como vimos, a instituição faz crer que não é possível a prorrogação. Daí a necessidade de o homem do campo procurar um profissional especializado na legislação do crédito rural que apresente o pedido formal ao banco e, em caso de negativa, ingresse com o pedido pela via judicial.

A lei não fala em prazo para apresentação do pedido de prorrogação, contudo, na prática, o que se vê é que, apesar de não haver prazo regulamentado, o pedido precisa ser realizado o quanto antes, por exigência dos Tribunais de Justiça de todo país.

 

CONCLUSÃO

A agricultura, apesar de ser uma atividade de risco é essencial para a existência e subsistência da humanidade, não é por acaso que existem leis que incentivam e protegem sua continuidade. O problema é o desconhecimento das leis que asseguram esses direitos por aqueles que necessariamente precisam invocá-las para defesa, faz com que inúmeros produtores percam seu patrimônio e fiquem impedidos de voltar a produzir, o que não implica em prejuízo apenas para si, mas para a sociedade e economia.

Contudo, como visto, é fato que a legislação de crédito rural prevê que nas hipóteses de frustração de safra ou de preço, ou ainda em caso de outras eventualidades, o produtor rural tem direito a prorrogar o prazo para pagamento da dívida, sem que seja considerado atraso ou inadimplência, adequando a dívida a sua nova capacidade de pagamento, sendo importante observar ainda que durante o período da prorrogação o nome do produtor e de seus avalistas não pode ser incluído nos cadastros desabonatórios de crédito. Todavia, é sempre importante ressaltar a necessidade da análise por um especialista, haja vista que se trata de um procedimento peculiar que as vezes necessita da atuação conjunta de profissionais de diversas áreas, buscando a melhor solução para cada caso. Sabendo disso, faça sempre uso dos seus direitos.

 

Lorena Santos é advogada atuante na defesa do produtor rural e membra da Comissão Especial de Direito do Agronegócio da OAB/GO, subseção de Rio Verde/GO.

 

REFERÊNCIAS

MCR – MANUAL DE CRÉDITO RURAL. Banco Central do Brasil. Disponível em <https://www3.bcb.gov.br/mcr> Acesso em: 20/03/2021.

BRASIL, Decreto Lei n. 167 (1967), Capítulo I – DO FINANCIAMENTO RURAL, Art. 5º, Parágrafo único. Disponível em:<http://Del167 (planalto.gov.br)>. Acesso em: 19 de março. 2021.

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