- Breve contextualização histórica
Certa feita o escritor inglês G. K. Chesterton disse que a família é uma instituição “anárquica e não anarquista”. O autor, grande apologista do cristianismo, queria dizer que, em certos aspectos da vida humana, como na moral e nos costumes, é comum prevalecer o laço afetivo e as tradições herdadas dos antepassados, evitando-se, na medida do possível, a intervenção do Poder Público – por isso ela é anárquica.
A família, porém, não se vincula somente pelos laços biológicos, de afeto, e pelos costumes consolidados na tradição. A formação de um patrimônio comum é também um grande marco caracterizador das instituições familiares, pois é por meio dele que se garante o sustento alimentar, o cuidado com a saúde e, desejo de todos: o conforto necessário a uma vida digna! Isto só é possível por meio de uma organização hierárquica, da divisão de tarefas conjugais, da busca por ordem e respeito entre os seus membros – por isso ela não é anarquista.
No passado, quando as distinções socioeconômicas eram mais rígidas, muitas das famílias com grande patrimônio, que aliás não eram tantas assim, conseguiam garantir a perpetuação dos bens entre as gerações por meio do poder (hereditariedade de cargos), da continuação dos negócios entre pai e filho (não havia esta tamanha liberdade de escolha de profissão) e da influência social (por exemplo a concessão de títulos nobiliárquicos, como “barão”, “conde”, etc.).
Atualmente, contudo, vive-se em uma democracia, na qual a possibilidade de ascensão econômica é muito mais ampla quando comparada com os séculos anteriores. Desta forma, é possível dizer que, hoje, o número de famílias com um bom patrimônio a ser preservado é cada vez maior. Assim, são muitos, também, os indivíduos que, na tentativa de resguardar seus bens às próximas gerações, utilizam-se de ferramentas jurídicas e empresariais.
E uma destas ferramentas constitui, precisamente, o objeto do presente estudo. A seguir, será construída uma breve narrativa de modo a exemplificar o funcionamento deste instrumento.
- A preocupação com a preservação do patrimônio
Imagine só um senhor, o qual terá o nome exemplificativo de “X”, que, em seus sessenta anos de vida, vê diante de si um consolidado patrimônio, uma grande família que se esparrama entre gerações e, por fim, mas não menos importante, um acúmulo de experiências que lhe permite concluir o seguinte: entre meus familiares, como ocorre em todo tempo e lugar, existem problemas de convivência e diferenças de personalidade, o que pode dificultar a futura gestão dos negócios ou até mesmo arruinar um conjunto patrimonial arduamente conquistado em décadas de esforço.
Este mesmo senhor, “X”, tem consciência dos enormes gastos, principalmente tributários, e das inumeráveis inconveniências que envolvem um processo de inventário. Assim, pergunta-se nosso personagem: será que existe alguma ferramenta jurídica/empresarial que ajude a segurar o patrimônio para as futuras gerações da família e amenizar as despesas decorrentes de um procedimento sucessório?
A resposta é sim, estas ferramentas existem. Ou, como diz o famoso dito castelhano: “que las hay, las hay”! Uma opção para isto é a constituição de uma Holding.
- Holding, afinal o que é isso?
A palavra holding é de origem inglesa e significa, basicamente: “segurar”, “deter”. Aplicado ao contexto jurídico/empresarial, este termo é utilizado de modo a classificar uma modalidade específica de gestão de negócios. Esta modalidade, por sua vez, é caracterizada pela constituição de uma pessoa jurídica “controladora”, ou seja, uma empresa que tem como principal função a administração racionalizada de bens diversos ou, até mesmo, a participação em outras pessoas jurídicas.
A previsão legal para a constituição de uma Holding é encontrada na Lei n. 6.404 de 1976, chamada de Lei da Sociedade Anônima (S/A), precisamente no artigo 2º, § 3º.
Pode ser que a definição acima, por ser demasiado técnica, seja de difícil compreensão para o público em geral. Então, com finalidade meramente didática, continuarei a desenvolver o exemplo iniciado no capítulo anterior.
Supõe-se que aquele senhor, chamado “X”, que acima serviu de exemplo, seja um produtor rural na cidade de Rio Verde/GO. Ele é proprietário legal de alguns imóveis rurais e trabalha com criação de gado de corte.
Todos estes bens que o Senhor “X” possui são devidamente regularizados nas instituições competentes. Por exemplo, os imóveis rurais possuem registro em cartório, sob um número de matrícula e em nome de tal pessoa física, que possui CPF tal, etc. Isto compõe o patrimônio pessoal do Senhor “X” e, com base neste patrimônio, ele realiza suas operações cotidianas – bancárias, creditícias, tributárias, entre outras.
Na intenção de fazer um melhor planejamento sucessório e tributário, existe a possibilidade de o Senhor “X” integralizar todos os seus imóveis rurais em uma única pessoa jurídica, a qual será chamada, a título de exemplo: “FAZENDAS DO SENHOR X SOCIEDADE LIMITADA”. Esta empresa pode funcionar na modalidade de uma Holding Familiar Rural, ou seja: a finalidade dela é simplesmente “deter” ou “segurar” os imóveis rurais do Senhor “X”. Aí, dentro desta empresa, é possível que o Senhor “X” coloque sua esposa e seus descendentes na condição de “sócios”, os quais receberão quotas partes previamente estabelecidas, de acordo com o planejamento sucessório.
- Quais as possíveis vantagens da constituição de uma Holding Familiar Rural
Como visto acima, os imóveis rurais do Senhor “X” foram integralizados em uma pessoa jurídica, a qual será devidamente registrada na Junta Comercial do Estado e se submeterá ao regramento empresarial.
Apesar das burocracias que envolvem a constituição de uma empresa, os estudiosos, e até mesmo muitas das famílias que assim procederam, fornecem uma listagem das possíveis vantagens de constituir-se uma Holding Familiar Rural:
- O agronegócio atual é uma atividade empresarial cada vez mais complexa e informatizada, de modo que a constituição de uma Holding serve como uma maneira de deixar a administração das fazendas mais racionalizada, com possibilidade de utilização de diversas ferramentas de gestão e governança, além de evitar que os problemas familiares interfiram na condução dos negócios;
- A Holding é utilizada como ferramenta de planejamento sucessório, pois o “patriarca” poderá, por meio da constituição da pessoa jurídica, estabelecer previamente a divisão de seus bens entre os sucessores e evitar os desgastes e os exagerados gastos tributários de um processo de inventário;
- Com a Holding constituída, o produtor rural poderá fazer um planejamento tributário muito mais eficiente, escolhendo uma modalidade de tributação condizente com suas atividades e suas receitas, o que gera uma diminuição considerável nas despesas (por exemplo no Imposto de Renda).
Esta lista é simplesmente explicativa, ela não esgota as vantagens da constituição de uma Holding Familiar para produtores rurais, tampouco expõe os possíveis riscos inerentes a qualquer atividade empresarial. Então, se o leitor porventura interessar-se no assunto, deve procurar um profissional qualificado e fazer uma profunda pesquisa prévia acerca do tema, considerando as peculiaridades de sua família e seus negócios.
- Conclusão
Para finalizar o presente texto, vale reforçar que o agronegócio é, atualmente, uma atividade empresarial da mais alta importância e complexidade. Assim, se o produtor quiser “sobreviver” neste ramo, deve buscar o aprimoramento constante de seu negócio, figurando-se a constituição de uma Holding como excelente meio para isso.
Além de sobreviver no mercado, o produtor rural pode, através da Holding, fugir da excessiva intromissão do Estado na cobrança de impostos, ao fazer um planejamento tributário pormenorizado, sempre dentro dos limites da Lei.
Tudo isto pode servir, no fim das contas, para proteger, além do patrimônio material, a integridade das relações afetivas entre os membros da família, pois o planejamento sucessório é um meio de fugir aos desgastes do processo de inventário.
Finalizo retomando a ideia de Chesterton: a família é anárquica, pois se reinventa para preservar-se; e não é anarquista, pois se firma no legado dos antepassados e na sabedoria das tradições.
Vinícius Pomar Schmidt. Advogado, inscrito na OAB/GO sob o número 45.896. Graduado pela PUC/GO. Especialista em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público; e em Direitos Humanos, Democracia e Cultura, pela Universidade Federal de Goiás.