Elogiado por ambientalistas, Mauro Lúcio Costa consegue produzir carne acima da média nacional e mostra que a atividade não precisa ser vilã na região.
Um pecuarista que construiu a vida na Amazônia e que é elogiado até mesmo por ambientalistas por sua forma de produzir.
É uma descrição incomum para os tempos atuais, já que a criação de gado é apontada como uma das atividades mais associadas ao desmatamento ilegal da região, com uma imagem muito negativa entre defensores do meio ambiente.
Consciente da importância da preservação da maior floresta tropical do mundo, o mineiro Mauro Lúcio Costa, de 55 anos, conseguiu mostrar que é possível criar gado na região sem ser um vilão. Em uma propriedade considerada de grande porte, consegue 10 vezes a média nacional de produção de carne.
Ele já esteve em Nova York no ano passado e participou de reuniões durante a Cúpula do Clima da Organização das Nações Unidas (ONU) a convite de entidades de defesa do meio ambiente para contar sua experiência de quase 40 anos na Amazônia e dizer que dá para conciliar produção e preservação. Também já esteve na Rio+20 realizada em 2012.
Nascido em Governador Valadares, Minas Gerais, Mauro está no município de Paragominas, no Pará, desde o final da década de 1970, acompanhando o pai também pecuarista, em uma propriedade que a família tinha na região. Mudou-se de vez para a região em 1982, aos 18 anos.
“Eu vim para cá porque eu era muito levado, não ia bem na escola, então meu pai me mandou para cuidar da fazenda e acabei ficando”, relembra.
A chegada da família à região ocorreu com o incentivo que o governo federal à época oferecia para produtores rurais ocuparem o Centro-Oeste e a Amazônia, regiões pouco povoadas do país. Com medo de que a área pudesse ser invadida, o lema passou a ser “integrar para não entregar”.
“Por que decidimos ir para o Pará? O Pará tem 3 ‘C’ que nenhum lugar do mundo tem: calor, chuva e crédito, havia muito dinheiro (do governo) para isso acontecer”, explica Mauro.
Apesar de reconhecer que muitas pessoas migraram para a Amazônia porque foram incentivadas, o pecuarista é contra um discurso de “vitimismo” de que isso poderia justificar o desmatamento na região.
Com a experiência de ter liderado o Sindicato Rural de Paragominas entre 2009 e 2015, Mauro afirma que o desmatamento não é cultural e que, desde 2008, começaram as pressões por mais sustentabilidade na criação de gado. Foi a partir desse momento que a produção dele começou a mudar.
Em 2009, acompanhou as assinaturas dos Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) entre Ministério Público Federal (MPF) do estado e frigoríficos para garantir carne livre do desmatamento. É o maior acordo do tipo feito no Brasil.
“Eu acho que as pessoas falam que o desmatamento é necessário para criar empregos, girar a economia, mas é uma conversa mentirosa, usa-se isso para encobrir o crime.”
“A forma de melhorar a renda, gerar emprego e ter mais faturamento é aumentando a produtividade, investindo em tecnologia. E isso exige conhecimento e capacitar seus funcionários, não é fácil”, explica.
Depois de 6 anos atuando como representante dos produtores rurais da cidade, Mauro deixou o sindicato. Ele cita divergências com a federação estadual e com outros agropecuaristas da região.
“Outros produtores me achavam ambientalista demais, eu tenho minhas posições e tenho convicção do que eu faço, então preferi sair depois de dois mandatos.”
Preocupação com a produção
Das quase 4 décadas no Pará, Mauro relata que algumas práticas ruins não mudaram mesmo em tanto tempo.
“O que eu acho errado é a gente continuar a fazer da mesma maneira sempre. Em São Félix do Xingu (município com o maior rebanho de gado do Brasil), eu vejo as pessoas desmatando para fazer uma pecuária pior do que a que meu pai fazia há 40 anos.”
Atualmente, Mauro tem uma propriedade de 4.356 hectares em Paragominas e produz em 20% da área, como manda o Código Florestal, sendo 9% para a produção de grãos e 11% para a criação de gado.
Ele faz uma das etapas da pecuária que é conhecida como recria, ou seja, ele compra bezerros e gado magro e os engorda para vender para os frigoríficos.
Mauro está em um ponto sensível da cadeia, pois é nesta fase onde costumam existir mais problemas de desmatamento ilegal associado à pecuária. Segundo procuradores que atuam na Amazônia, o desafio está nos chamados fornecedores indiretos.
Isso ocorre, por exemplo, quando uma propriedade irregular cria bezerros e os vende para produtores regularizados, para que façam a última etapa antes de vender aos frigoríficos. No fim, fica mais difícil descobrir se o animal veio de área desmatada ilegalmente ou não.
Por isso, Mauro diz que tem que ter o cuidado redobrado para não ter nada da sua produção associada ao desmatamento ilegal.
“Quando eu compro o animal, eu peço o CAR (Cadastro Ambiental Rural), faço consulta da propriedade, se está na lista do trabalho escravo, embargo do Ibama…”, conta.
Normalmente os frigoríficos fazem isso de quem vende diretamente para eles, já que é uma das exigências do TAC assinado com o Ministério Público, mas isso não é feito com os fornecedores indiretos.
E também não é prática comum um pecuarista checar a procedência dos animais de outro produtor. “Ninguém costuma fazer isso, eu já faço desde 2017, em um trabalho conjunto com o Ministério Público Federal”, explica Mauro.
10 vezes a produtividade nacional
O pecuarista conta que o objetivo dele é manter a produtividade da fazenda em torno de 600 kg por hectare. Isso dá quase 10 vezes a média nacional, que é de 64,5 kg por hectare.
“Existe um estudo do setor que fala que, em 20 anos, a produtividade subiu 169% no país, mas esses números são muito ruins… essa média nacional dá algo em torno de R$ 860 por hectare ao ano, é uma produtividade de fome.”
Segundo contas feitas por Mauro, se apenas um frigorífico do estado precisasse comprar toda a carne baseada apenas na média nacional, a área ocupada por gado teria que ser de 752,4 mil hectares.
Com a produtividade obtida por ele, esse número cai para 45 mil hectares. Ou seja, produzir mais preservando mais área.
Para conseguir números tão bons, o pecuarista diz que investe muito na qualidade do solo e do pasto. Mas outros fatores, como bem estar animal e investimento na capacitação e estudo de seus 26 funcionários ajudam a garantir o bom trabalho.
Futuro
“Eu me preocupo muito com meus consumidores daqui a 10 anos. Hoje, eles estão com 8, 9 anos, e na escola se fala muito disso (do desmatamento)”, diz Mauro.
“A consciência ambiental que está sendo colocada na cabeça dessas crianças, então esse meu consumidor vai estar antenado e eu tenho que me preocupar com isso”.
O pecuarista diz que a preocupação com o meio ambiente deve crescer nos próximos anos. Ele afirma que não tem a ilusão de que essa pressão irá diminuir e entende que os produtores precisam estar preparados para lidar com isso.
“Eu acho que hoje, por exemplo, não existe nenhuma atividade no planeta que não está preocupada em mudar a atividade ou mudar a forma com que o produto impacta o meio ambiente.”
Ele diz que não esperava receber mais por ser sustentável, mas acredita que este será um diferencial para o futuro. Quando a sustentabilidade for regra de mercado, já estará pronto.
“Faço isso sem nenhum diferencial de preço, mas tenho um diferencial grande na produtividade. Talvez chegue o dia em que vou precisar de um diferencial de preços, e eu já vou estar apto, vou mostrar que meu produto é melhor que do outro.”
Vida e família
Mauro tem orgulho do que construiu até hoje, mesmo passando por muitas dificuldades. Em 1995, perdeu a fazenda da família por problemas de administração, virou trabalhador de outros produtores, mas deu a volta por cima e, desde 2007, voltou a ser pecuarista.
“Tive que sair do zero, voltei a ser vaqueiro, gerente de fazenda… tive momentos difíceis.”
Por ser taxado por outros pecuaristas como um produtor que quebrou, muitas vezes a sua consciência ambiental foi questionada e rechaçada. Para provar que dá certo, Mauro exibe diversos cálculos para mostrar que é eficiente respeitando a preservação do meio ambiente.
Hoje, com 5 filhos e uma atividade consolidada, o pecuarista “ambientalista demais” diz que aprende muito com os defensores do meio ambiente e não vê motivos para uma rivalidade entre agronegócio e preservação.
“Eles (ambientalistas) me ensinam muita coisa. O que se vê é uma discussão feita com emoção, sem nenhuma razão. ‘Eu sou ruralista e você ambientalista, então somos antagônicos’. Estamos vivendo um mundo muito polarizado, e eu sou contrário a isso, precisamos trabalhar com ciência e pesquisa.”